terça-feira, 6 de abril de 2010

Crônicas do nosso esporte

A Sociedade Mineira começa, a partir de hoje, a publicar periodicamente neste espaço algumas crônicas enviadas por amigos amantes do futebol de mesa. São histórias que, muitas vezes, se confundem com nossas próprias histórias.
Histórias essas que nos faz amar cada vez mais nosso esporte, e os dá forças para lutar para que ele seja cada dia mais conhecido e praticado.
Boa leitura a todos!


"EU FUI REPÓRTER DE BOTÃO"

Por Edgar Mattos

"Na minha rica experiência infanto-juvenil, de moleque dos mangues da Torre e membro da Turma da Vila dos Bancários (Rua Amélia), pratiquei nas ruas e nos quintais todos os esportes possíveis. Os de bola (futebol, basquete e voleibol), e outros menos populares como Box, Luta Romana, e até os mais requintados como o Tênis, Patinação, Arco-e-Flexa e Esgrima. Claro que era tudo improvisado: a “rede” do Tênis era apenas uma corda; as “espadas” da Esgrima eram de madeira; o “arco” era de bambu, a “corda”, de borracha; as “flechas”, de madeira; e o “alvo”, as bananeiras... Enfim, tudo muito precário porque a custo zero. Isso para não falar nas brincadeiras tradicionais: Garrafão, Barra-Bandeira, Bola-de-Gude, Papagaio etc.

Agora, além do futebol – tanto o organizado com uniformes, campo gramado, bola oficial e juiz, quanto à “pelada” propriamente dita, do fundo-de-quintal, do terreno baldio, do meio-da-rua, com bola de borracha, de todos os tamanhos e consistências -, sem dúvida o divertimento preferido, sobretudo à noite, era o futebol de mesa: o jogo de botões. Não o chamado Celotex, com esses times industrializados, que se compravam nas lojas, de botões de plástico, coloridos, padronizados, todos iguais e todos muito “ruins de bola”. Nosso jogo era mais popular, com “jogadores” diversificados tanto na sua estrutura - chifre, osso e até côco – como na sua individualidade: cada qual tinha seu nome e o seu valor. Os botões de chifre, geralmente “fabricados” na Casa de Detenção, por serem mais altos, pesados e fortes eram utilizados como zagueiros. Os de osso, sobretudo os maiores, os chamados “botões-de-capa”, eram mais leves e mais “habilidosos”. Agora, para um botão desses ficar “em condições de jogo” precisava ser “operado”. Essa “operação” consistia na raspagem (com uma gilette ou até com um pedaço de vidro ) de suas bordas, de modo a desfazer aquela sua forma abaulada, imprópria para a condução da bola e para o arremate. Alguns dos nossos eram peritos nessas “operações”, destacando-se Mané “Cancão”, empregado lá de casa, camarada de excelente caráter e de fina educação tanta que, naquela época de remanescentes e preconceituosos senhores de engenho, era muito bem recebido na residência dos meus amigos. Mas, além de ótimo “cirurgião” de botões, Mané era um verdadeiro artista. Sem recursos para montar o seu time com “jogadores” de osso à altura dos nossos, ele “fabricava” os seus, partindo, raspando e esculpindo a quenga do côco, conseguindo depois, em secreto processo de acabamento, que eles ficassem com a sua superfície lisa e lustrosa permitindo o uso da “paleta” sem dificuldade. Alguns desses botões, não obstante a sua “origem humilde”, adquiriram notoriedade por se fazerem grandes artilheiros, alcançando, por isso, no mercado, valor comercial muito acima da maioria dos botões de osso, destituídos da mesma “qualidade” e da mesma fama.

Jogava-se nas mesas de jantar das casas, campo demarcado com giz, sob inúteis protestos das mamães. Eu tinha um campo próprio, especialmente confeccionado por um marceneiro, sob minhas especificações. Só que lá em casa ele era colocado no quarto do Mané Cancão, situado lá no fundo do quintal, conforme a arquitetura da época. Lá ficávamos mais á vontade para expandir nossa vibração ou desabafar nossa revolta em forma de (então) inadmissíveis palavrões.

A bola era de cortiça ou de farinha sendo a primeira a preferida pela facilidade com que subia, embora um pouco mais difícil de confeccionar, recortando-a de uma rolha de garrafa. A parafina ou vela, juntamente com uma flanela, eram apetrechos obrigatórios para enceramento dos botões possibilitando-lhes um melhor deslizamento.

Meu time era o Palmeiras (embora a sua escalação nada tivesse a ver com a da equipe paulista; a zaga, por exemplo, era Píndaro e Pinheiro) e, apesar de praticar o futebol mais técnico, não era um grande vencedor. Isso porque eu fazia questão de cumprir o figurino da jogada bem trabalhada: tiro de meta pelo zagueiro para o meio de campo, bola passada aos atacantes e conduzida por estes até às proximidades da área adversária para só então, após o famoso “coloque-se” ( em que o adversário posicionava o seu goleiro para a defesa ), fazer o “tiro” ao gol. Já a maioria, fazia um jogo mais pragmático, conduzia a bola até o meio do campo e, de lá mesmo, chutava em gol. Claro que, assim fazendo, as possibilidades de perder o controle da bola eram bem menores.

E aqui vou revelar uma artimanha. Quando eu queria reforçar meu time, “inventava” um aniversário do meu Palmeiras e promovia um torneio comemorativo. Providenciava um paliteiro de metal para funcionar como taça a ser posta em disputa, e uma salada-de-frutas para servir aos participantes. Pronto. Estava organizada a festa. E aí era só receber os presentes, todos botões, alguns até de certo renome, que iriam renovar o meu elenco.

Mas, nem tudo era festa e amenidades no futebol de mesa. Havia rivalidades e, por vezes, no calor da competição, discussões e animosidades. Certa feita, revoltado com uma “porrada” que um zagueiro de chifre dera no meu atacante – o valioso craque do time – derrubando-o mesa abaixo, não perdi tempo. Assim que, cheio de cuidados, acabei de “socorrer” o meu jogador, apanhando-o embaixo da mesa, levantei-me e – impulsivo e explosivo como eu era - fui já metendo um soco na cara do meu contendor. Depois, com a intervenção da turma do “deixa disso”, ânimos serenados, desculpas trocadas, voltamos às boas. Como eram diferentes aqueles tempos...

Finalmente, esclarecendo o título dessa crônica, vou explicar a vocês como fui repórter e locutor de futebol de mesa. É que, gostando de escrever, criei um jornalzinho semanal para reportar os jogos, informar as transações (trocas e compras-e-vendas de botões) e até fazer entrevistas (é claro que o “dono” do time falando pelo botão). O jornal não passava de um caderno de papel pautado, sendo totalmente manuscrito em letra de imprensa. As “fotos” eram circunferências em torno de determinado “craque”, com a legenda identificadora do seu nome. Havia apenas um exemplar que circulava de mão-em-mão pelos participantes das competições que, geralmente, não passavam de meia dúzia. Já o caso da locução aconteceu por ocasião de um daqueles torneios comemorativos do aniversário do meu time que, muito convenientemente, comemorava mais de um aniversário por ano. Para fazer uma gentileza com um dos meus amigos que, adoentado, não pudera comparecer ao evento, eu tive a idéia de transmitir para ele os jogos pelo telefone.

Ele achou ótimo, pois estava chateado por não poder sair de casa, sem ter o que fazer. Foi essa a minha inusitada experiência como locutor de jogo de botões".

2 comentários:

  1. Amigos da Sociedade Mineira,

    Nada como iniciar o "Crônicas do Nosso Esporte" com o nosso Mestre, Prof. Edgar Mattos, de Recife-PE.

    Parabéns!

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  2. Parabéns... mais um espaço para lermos assuntos interessantes....

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